Cada dia que respiro nessa terra encantada que é a revolta feminina, mais me convenço de que minha vinda para cá foi fruto não do acaso, mas de uma maldição — e não uma maldição qualquer, mas uma obra-prima de bruxas sádicas, que sabiam exatamente o que faziam. Lançada ao mundo do Caos, não me coube apenas decifrar os labirintos da revolta, mas também mapear as vielas tortuosas da contrarrevolta. Nos caminhos contrarrevolucionários, pude notar que negar já é trabalho do tinhoso; mas negar o negador é punição reservada aos condenados que se julgam espertos.
Vocês devem se lembrar que foi enquanto eu observava esse jogo de gato e rato que me dei conta de que era perseguida pela maldição do bêbado e do caixão. Só que, para meu mais profundo desgosto, mal havia terminado de enterrar o primeiro cadáver e já vinha a funerária, afoita, despejar o segundo. Era óbvio que o antifeminismo morreria como Julieta, mas nem nos meus momentos de maior pessimismo imaginei que seria tão rápido. E lá estava eu, em meio às coroas de flores murchas, tendo de responder ao velório inteiro: "Quem morreu?" Ora, eles. Eles quem?
Santo Deus, os contrarrevolucionários são tão incapazes que nem sabem dizer o que são — ou o que foram. Agora andam por aí, de boca aberta e olhos arregalados, perguntando com voz de espantalho: "Que antifeminismo é esse de que você fala?" Sei lá, minhas caras: foram vocês que organizaram congressos, escreveram manifestos, subiram em palanques. Eu só passei para assistir ao desastre. E nem o próprio nome vocês conseguem explicar direito? Ai, Mãe, que vexame.
As sacerdotisas, agora encarando os altares vazios onde já não resta nem fumaça, agora dizem com um orgulho patético que nunca houve, de fato, um movimento antifeminista. Mas, vá lá, dessa vez têm razão. Mesmo com todo o esforço da gloriosa Mãe de Israel para enfiar o antifeminismo num vestido de missa, a criatura sempre foi um espelho rachado: só refletia quando alguém mais ousava se mexer. O feminismo marchava, uivando; o antifeminismo, assustado, abanava a cabeça em protesto. Ele nunca teve vida própria. Era, e sempre será enquanto continuar se debatendo, um fenômeno de eco — e nada é mais triste do que um eco convencido de que é voz.
“(…) o antifeminismo é um fenômeno de reação, que só se manifesta quando há algo a que se opor. Ele é como um espelho — não reflete por si mesmo, mas se forma diante do reflexo de uma demanda feminista no discurso público. O feminismo avança; o antifeminismo nota e responde, de forma que o antifeminismo depende do feminismo para sobreviver.”
Escrevi isso no meu surrado livro, claro. E expliquei como esse pobre coitado do antifeminismo, sempre de muletas hegelianas, se contentou a vida inteira em reagir ao feminismo, como um cachorro late para a sombra do carteiro. E acreditem, eu ainda tive a caridade de sugerir que, com a morte do feminismo, seria hora de reconhecer as limitações políticas e filosóficas desse jogo de reação para buscar algo mais sério.
Se as veneráveis hoje não conseguem reconhecer o filho maltrapilho e drogado que embalaram no colo por gerações, não será agora, na crise da meia-idade, que conseguirão. E levantar um espantalho para espancá-lo só prova que a inteligência nunca foi o forte desse convento. Espero que tenham consciência: o Sacerdócio da Estupidez, como todo sacerdócio que se funda em truques e sofismas, não pode ser eterno. Até mesmo o mais estúpido membro um dia acorda e percebe que as contradições começam a se tornar flagrantes entre um vídeo apagado e outro mal editado.
Nem o diabo tem tanta paciência.
Gosto especialmente do trecho onde você afirma "nada é mais triste do que um eco convencido de que é voz", pois ele sintetiza a tensão que vivem as anti feministas. Muitas delas (se não a maioria delas) se inebriaram com o vinho da fama e construíram toda uma vida, tanto em questão das motivações mais íntimas até as questões mais práticas, como a financeira, alicerçadas nesse papel de combatentes do bom combate. Se faz necessário muita humildade e abertura a Verdade para confrontar esses demônios e colocar sua vida em perspectiva por que uma senhora Bocó resolveu fazer a revisão bibliográfica que nenhuma intelectual anti feminista se prestou a realizar :)
Me delicio com a ironia de observar estas doces senhoras rasgarem suas vestes acusando as feministas de usurparem para seu movimento a primazia da conquista de certos direitos femininos ao mesmo tempo que elas, em seu sacerdócio, acusam de hereges, endemoniadas, invejosas e criaturas amargas contra o "movimento cultural responsável por barrar políticas públicas feministas" quem ousa demonstrar, através de bibliografia vasta e raciocínio lógico, o quanto este movimento depende de seu inimigo, em um duplo mimético tão perfeito que Girard poderia inclui-lo em seu livro.
Afinal, o movimento não é organizado, mas caso você ouse criticá-lo, as mesmas pessoas se reunião para rebater - e aparentemente, sem as anti feministas, as feministas teriam tomado de assalto toda as leis e fariam um governo a imagem e semelhança de seus ideais.
Não seja um herege renegando as suas salvadores, se não quiser queimar na fogueira.
Este jogo de luz e sombras está próximo do fim - e elas sabem disso. Cabe a elas manterem o máximo de pessoas no escuro evocando sua "importância na guerra cultural", fingindo uma frente unida enquanto todas elas destronam sutilmente a Mãe, colocando ela em seu lugar como política e brigando para usufruírem deste filho drogado conforme a conveniência.
Que comecem os jogos!
A saga continua... nem elas sabem quem são, o velório já acabou e elas insistem em não enterrar o difunto que já está podre e cheirando muito mal, mas a mãe de Israel não irá largar seu filho antes que um "José de Arimatea" qualquer chegue com lençóis de linho na esperança que ao enrolá-lo nesses lençóis, ele ressuscite. Amarga e vã ilusão.